Por Fátima El Kadri
O Dia Internacional da Mulher está longe de ser uma data romântica, idealizada para homenagear as mulheres com flores e presentes. Infelizmente, a data tem origem no sofrimento e no sangue de mulheres corajosas, que ousaram se rebelar contra uma sociedade machista. E essa luta começou lá atrás, ainda no século XVIII.
Muitas delas deram a vida para que as meninas das gerações futuras chegassem a um mundo com mais liberdade, igualdade social, direito ao voto e um salário igual ao dos homens. E sim, nós conseguimos! — e ainda seguimos conquistando espaços que até pouco tempo atrás eram destinados apenas aos homens. Mas há outros problemas que, mesmo com toda a evolução e transformação social, parecem estar longe do fim.
No texto de hoje, contamos mais sobre essa data, que merece ser lembrada sempre!
Olympe de Gouges e a Declaração dos Direitos da Mulher Cidadã
Foi durante a Revolução Francesa, no século XVIII, que surgiram as primeiras manifestações pelos direitos da mulher. Mais precisamente em 1791, quando a escritora e ativista política francesa Olympe de Gouges (pseudônimo de Marie Gouze), escreveu um documento intitulado Declaração pelos Direitos da Mulher e da Cidadã, em um protesto contra a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. No documento, Gouges reivindicava igualdade política, social e jurídica às mulheres.
Como era de se esperar na época, a declaração não foi aceita e a ativista acabou sendo executada na guilhotina.
Muitos anos mais tarde, a partir da Revolução Industrial e do emprego de mão-de-obra feminina nas fábricas, os movimentos pela igualdade ganharam força.
A origem da data é incerta
Várias versões fazem com que a história do Dia Internacional da Mulher seja ainda obscura. A versão mais famosa diz respeito a um incêndio ocorrido na confecção Triangle Shirtwaist, — no dia 08 de março de 1911, em Nova Iorque.
“Naquela época, os trabalhadores eram trancados nas fábricas e os relógios eram cobertos, para não terem noção de quanto tempo haviam trabalhado. As péssimas condições, com vários retalhos de tecidos espalhados pelo chão do lugar, ajudaram o fogo a se espalhar rapidamente, matando 125 mulheres, de 13 a 23 anos, e mais 21 homens, enquanto trabalhavam”.
Outra versão diz que o incêndio aconteceu no século XVIII e o fogo teria sido proposital para matar as trabalhadoras da fábrica, que reivindicavam a diminuição da carga horária, naquela época, de até 14 horas diárias, de segunda-feira a sábado, chegando a incluir alguns domingos de manhã.
Era comum também os filhos das operárias, ainda crianças, comporem os quadros de empregados das indústrias, pois o trabalho infantil não era proibido e creches não eram um direito das mães trabalhadoras.
“Em 8 de março de 1857, em Nova York, as operárias têxteis entraram em greve pedindo a redução da jornada de trabalho de 16 para 10 horas por dia e recebendo menos que um terço do salário dos homens. Parte das grevistas foi trancada no galpão e a fábrica foi incendiada. 130 delas foram carbonizadas”, explica a cientista política Lúcia Avelar, professora da Universidade de Brasília, ao site do Instituto AzMina.
Outra versão é que a ideia teria surgido na Rússia, em 08 de março de 1917, durante a Primeira Guerra mundial, quando 90 mil operárias protestaram contra o Czar Nicolau, no episódio que ficou conhecido como “Pão e Paz”. Na ocasião, teria ocorrido a 2ª Conferência de Mulheres Socialistas, e a ativista Clara Zetkin sugeriu uma celebração anual para a data.
Não há certeza sobre qual dessas versões é a correta. A única coisa certa é que, somente no ano de 1975, o dia 08 de março foi oficialmente reconhecido pela ONU como o Dia Internacional da Mulher.
Multas barreiras a superar
Depois de todo esse tempo, finalmente é possível dizer que as mulheres conquistaram muitos direitos na base do “grito”. Hoje temos direito ao voto, a um emprego digno, a diversos métodos contraceptivos que permitem que a gravidez seja uma escolha, e não mais uma imposição à mulher.
No entanto, também é verdade que, com o tempo, a celebração do Dia Internacional da Mulher perdeu um pouco do seu sentido político e passou a ser uma data meramente comercial, em que as mulheres são presenteadas com flores, mensagens de carinho e elogios. Tudo isso é muito gratificante, mas não podemos esquecer o fato de que, mesmo depois de tantos anos de luta e conscientização, as mulheres ainda têm enormes desafios pela frente.
Como por exemplo, garantir sua empregabilidade. Estatísticas do IBGE confirmam que a mulher continua sendo preterida no mercado de trabalho; a média nacional de desemprego é maior na população feminina (64,7%)
Por isso, quando há interseccionalidade entre gênero e deficiência, os obstáculos são ainda maiores. O artigo A dupla desvantagem da mulher com deficiência no mercado de trabalho, dos autores Carolina Silva de Andrade* e Josemar Figueiredo de Araújo*, explica bem essa condição:
“No caso das mulheres, é recorrente na literatura feminista o argumento que evidencia a “dupla desvantagem” com que vivem as mulheres com deficiência em relação a participação social, direitos sexuais e reprodutivos, educação, trabalho e renda. Ao se constituírem mutuamente e se retroalimentarem, os efeitos do duplo estigma potencializam a exclusão das mulheres com deficiência, processo que se complexifica ainda mais quando cruzado com outras categorias como raça/etnia e classe”
No entanto, o maior pesadelo para as mulheres na atualidade é o aumento dos casos de feminicídio, que estampam as páginas dos sites e jornais diariamente. No primeiro semestre de 2020, as ocorrências desse tipo de crime cresceram quase 2%, atingindo 648 casos. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Mulheres com deficiência são mais vulneráveis a sofrerem todo tipo de violência e, claro, a serem vítimas de feminicídios. Em vigor desde 2006, a Lei Maria da Penha criminaliza a violência contra a mulher, mas, somente em 2019, tornou-se obrigatório informar a deficiência nos boletins de ocorrência, por isso, ainda não há estatísticas confiáveis sobre vítimas nessa condição.
Nesse sentido, é fundamental que haja canais de denúncia acessíveis, como delegacias da mulher com profissionais preparados para atender às pessoas com deficiência, incluindo acessibilidade física, comunicacional — com funcionários que saibam interpretar a LIBRAS — e, principalmente, a acessibilidade atitudinal.
Ainda estamos em busca de um mundo onde as mulheres possam comemorar uma oferta de emprego com salário igual ao do seu colega; ou onde uma candidata não seja eliminada só porque ela tem filhos. Sonhamos com o dia em que não precisaremos andar na rua com medo de sermos atacadas e ofendidas. Um mundo onde não exista mais o risco de sermos mortas só pelo fato de sermos mulheres.
Só assim, as mulheres com deficiência — e todas as outras — poderão comemorar o Dia Internacional da Mulher com flores e mais tranquilidade.